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Santo Antônio.

Eram esperadas durante todo o ano aquelas noites. Junho e Julho sempre foram meus meses preferidos, o frio, a neblina, as poucas chuvas. Na vila, o céu era muito escuro e salteado de estrelas. A cidade, privilegiada com sua localização em uma planície, permitia ver a linha do fim do mundo, onde a abóbada celeste tocava o chão do pasto. Às vezes, parecia que a silhueta de uma vaca tocava a luz de uma estrela, mas era só a lâmpada lúgubre da varanda de D. Zefinha. No sítio, todas as lâmpadas eram lúgubres, eu preferia sempre andar no escuro lá na casa da minha avó, suas lâmpadas, de baixa potência, muitas utilizadas com voltagem abaixo do que eram feitas, faziam com que o ambiente ficasse em um lusco-fusco macabro. Eu preferia a luz que vinha de fora, ainda mais depois que o prefeito mandou trocar as lâmpadas públicas por aquelas feitas de vapor de mercúrio, deixando tudo com tons quentes, eu sempre gostei mais das lâmpadas com cores de alta temperatura.
No sítio do Compadre Jarbas (muito tarde eu entendi o que "compadre" significava, ele e Comadre Rosalina foram padrinhos no casamento de meus pais, eu achava que "compadre" significava que ele era rico ou porque tinha o maior sítio da vila, com vacas que davam leite e etc.), havia todos os anos a festa de Santo Antônio. Não era comemorada como uma festa junina, apesar de haver a grande fogueira que era acesa ao pé da Paineira. Eu adorava aquela árvore, seu tronco revestido de espinhos robustos, na maior parte do ano exibia todos seus galhos secos, com os frutos da paina pendurados, alguns abertos libertando suas sementes revestidas daquela pluma alva e leve, era possível vê-los saltando e flutuando pelo ar por algum tempo. Eu tinha um travesseiro feito de penas de galinhas, que nada parecem com plumas de ganso, são pesados e duros e guardam certo cheiro das donas daquelas penas. Mas eu tinha um futão (que descobri, aqui na cidade, chamar futon e que não é para se cobrir mas para deitar sobre), meu futão era de paina, pesava mais que eu e minha mãe tinha que me ajudar a me cobrir com ele, ela disse que ela que havia feito, pois no sítio o frio era intenso em algumas noites. O futão era feito de paina e seu revestimento era feito de sacos de pano, outrora usados para guardar açúcar ou ração de gado. Em alguns quadrados dava para avistar o desenho impresso de um boi. Eu adorava quando era época de tirar o futão do velho guarda-roupa herdado da vó.

A Paineira, infelizmente, não existe mais. Em seu lugar foi construído um grande galpão para guardar pisos de cerâmica. Quando vi aquilo, meu coração apertou, pois a lembrança, antes um pensamento de lembrança que me confortava de certa forma, ao saber que poderia voltar e ver a Paineira, agora era uma lembrança de fato, de algo que nunca mais na vida irei ver novamente. Senti o mesmo quando soterraram as lagoas que ficavam de fronte minha casa no sítio. As lagoas eram lindas, havia um paredão de pedras que minavam água e brotavam avencas. Quando soterraram eu chorei em silêncio, sabia que nunca mais veria aquilo novamente. Meu luto é sempre por lugares, raramente eu sinto o luto pela perda de pessoas, talvez por em algum lugar eu acreditar que poderei vê-las novamente. Mas os lugares, esses eu nunca mais verei, sequer em fotografias, tento forçar a minha cabeça para lembrar desses lugares, seus detalhes, o cheiro, as pequenices nos detalhes, mas cada vez mais tudo fica desfocado e sem querer vou adicionando detalhes que talvez sequer existiram. O distrito de Assistência mudou muito e continua mudando, para mim, ficando cada vez mais feio. O que me dói mais são as árvores partindo, ninguém se preocupa com as árvores, e são sempre elas que estão nas minhas lembranças, testemunhas de gerações, cortadas e arrancadas sem nenhuma prece.

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